quarta-feira, fevereiro 02, 2005

O Iraque no papel

Sempre fui apaixonada por gente. Pessoas, histórias, expressões, energia e aquele brilho (ou a falta dele) nos olhos. Pela vida como um todo. Antes da começar a faculdade, fiz um curso de fotografia na USP e, enquanto pessoas se encantavam com as cores e formas do Teatro Municipal, por exemplo, eu ficava pirando nas pessoas que vagavam pelo Vale do Anhangabaú. Infelizmnete, no papel revelado, nunca consegui captar o que estava ali, a minha frente. Falta de talento mesmo. E de algo a mais.

Ontem fiquei pensando nessa relação do papel com a vida real. Até que ponto o papel fotográfico consegue realmente registrar o momento? Até que ponto uma matéria de jornal consegue te dar o todo da notícia? Até que ponto livros e mais livros sobre a Europa, por exemplo, conseguem substituir uma viagem em si?

A apuração dos votos no Iraque começou hoje (ooops, ontem, terça). E eu, a milhas de lá, passei três horas desta segunda me sentindo em Bagdá. Três iraquianos (dois muito legais e um sem noção), que, geralmente, não aparecem juntos no restaurante, decidiram fazer uma "reuniãozinha" básica depois de terem votado. Vocês conseguem imaginar como é ficar 52 anos sem poder decidir sobre o futuro do seu país?

Há duas semanas, conversando com o Ali Mohammed, um dos clientes iraquianos, fiquei sabendo da explosão de um tanque em Bagdá. Mas não foi uma conversa comum, como acontecia no Brasil: fulano viu na TV ou leu no jornal. Desta vez, a história tinha vida. Ou a perda dela. O irmã do Ali tinha sido uma das vítimas e poderia morrer em dois dias. No mesmo dia em que soube da notícia através de uma irmã que mora nos Estados Unidos, Ali enviou 10 mil dólares para Bagdá para transferir seu irmão para a Jordânia. Motivo? Nem medicamentos podem ser comprados com facilidade no Iraque. Mesmo com dinheiro. Poucas coisas de qualidade chegam até lá. Chorei com ele.

Também não vou entrar no capítulo culpa, fazer túnel do tempo com os últimos acontecimentos, criar uma ótima legenda para a foto abaixo e gastar cinco minutos para escolher um ótimo título. Não tenho pretensões de tornar este post uma análise sobre as eleições, guerra e bombardeios. Por mais informações que possa conter, acho que dificilmente conseguirá substituir a emoção de viver, sentir, saber e ouvir a notícia pela boca de quem realmente está envolvido.

A BBC tem uma página com textos de quem mora no Iraque. Vale a pena dar uma passada e ler o ponto de vista de quem está no olho do furacão. (em inglês)


Ismail, no restaurante, ontem (segunda) à noite Posted by Hello

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